Risco de juros mais altos leva temor aos mercados

Disparada dos Treasuries derruba bolsas; dólar tem alta firme

Por Victor Rezende e Gabriel Roca

O alívio nos mercados após a decisão de política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) durou pouco. O temor de um cenário inflacionário ainda mais grave no futuro dominou as atenções do mercado e pesou no sentimento dos agentes, o que gerou forte reprecificação dos juros de longo prazo.

O ajuste nas taxas, por sua vez, provocou um forte aperto das condições financeiras, o que jogou as bolsas para baixo ao redor do globo, enquanto o dólar ganhou ainda mais fôlego.

A declaração do presidente do Fed, Jerome Powell, de que os dirigentes do banco central não consideram ativamente, neste momento, um aumento de 0,75 ponto, causou alívio na véspera, mas foi o principal fator a gerar a aversão a risco nos negócios de ontem. Na visão do mercado, o Fed, ao não sancionar um aumento mais agressivo nos juros no curto prazo, pode ter de enfrentar uma inflação mais alta no curto prazo e ser forçado a aumentar os juros a níveis ainda mais elevados.

Assim, o juro da T-note de dez anos, considerado o principal “benchmark” [referência] dos mercados globais, disparou e, nas máximas do dia, chegou a 3,106%. É o maior nível desde novembro de 2018. Ao mesmo tempo, o juro real de dez anos nos EUA deu um salto, ao passar de 0,07% para 0,18%. A reação dos outros ativos a esse movimento foi forte e ajudou a escancarar o processo de reprecificação nos mercados, que agora estão em ambiente de juros mais elevados. Em Wall Street, o índice Dow Jones caiu 3,12% e o S&P 500 recuou 3,56%; já o índice eletrônico Nasdaq sofreu um tombo de 4,99%.

Com taxas mais altas, a tendência é que o crédito seja afetado, pesando em investimentos e no consumo Por aqui, os reflexos também se deram de forma expressiva. O Ibovespa encerrou o pregão em queda de 2,81%, aos 105.304,19 pontos. Durante o dia, o índice chegou, até mesmo, a apagar os ganhos registrados neste ano. Já o dólar encerrou o dia negociado a R$ 5,0166, em alta de 2,38%. A quinta-feira, porém, foi de volatilidade elevada no câmbio e o dólar chegou a subir acima de R$ 5,05 nas máximas do dia, alinhado ao comportamento global, já que o índice DXY, que mede o desempenho do dólar ante seis moedas fortes, continuou a renovar máximas em 20 anos.

“O aumento dramático dos juros reais ocorre na medida em que o mercado recalibra suas apostas para a combinação de uma política de aperto acelerado, perspectivas de crescimento deterioradas e inflação que continua a acelerar em um ritmo não visto em quase 40 anos”, afirma o chefe de estratégia de juros do banco canadense BMO Capital Markets, Ian Lyngen.

O movimento mais representativo, para o estrategista, está no salto dos juros reais de longo prazo nos EUA, que, desde 2020, estão no campo negativo, mas que têm passado a ficar acima de zero nos últimos dias. “Isso claramente está ocorrendo à custa do ‘valuation’ dos ativos de risco. Embora o Fed provavelmente seja encorajado pela queda nas expectativas de inflação após a reunião, a queda de 3,5% do S&P e o VIX [índice de volatilidade] acima de 30 pontos destacam o outro lado de um cenário de política restritiva”, aponta Lyngen.

Na visão de Joaquim Sampaio, operador de juros americanos da RPS Capital, “o Fed quer derrubar o S&P e apertar as condições financeiras”. Ele nota que Powell “jogou um balde de água fria” nos juros de curto prazo e esse movimento puxou para cima as taxas de longo prazo. E é justamente no momento em que o juro longo reage e sobe com força que as condições financeiras ficam mais apertadas, esfriando a economia.

Nos cálculos do Goldman Sachs, as condições financeiras dos EUA estão no nível mais apertado desde julho de 2020, embora, do ponto de vista histórico, ainda estejam bastante acomodatícias.

Os juros, em especial os de longo prazo, tendem a ser os principais elementos a determinar o estado das condições financeiras. Com as taxas mais altas, a tendência é que o crédito seja afetado, pesando em investimentos e no consumo mais à frente.

E o atual cenário de aperto pode desenhar, inclusive, juros longos ainda mais altos do que o atualmente precificado. “Achamos que o aumento dos rendimentos dos Treasuries ainda está para acontecer e que as ações continuarão a sofrer”, diz Thomas Mathews, economista de mercados da Capital Economics.

Ele nota que, na curva de juros americana, as expectativas agora parecem próximas das projeções da consultoria, com uma precificação de juros entre 2,5% e 2,75% no fim do ano e entre 3,25% e 3,5% em 2023. “Como resultado, suspeitamos que o pior da liquidação do mercado de Treasuries neste ano pode ter acabado, mas ainda não achamos que os juros de longo prazo tenham atingido o pico ainda.”

O economista não se diz surpreso com a retomada do movimento de alta dos juros dos Treasuries longos e acha que “continuarão assim”. A Capital Economics projeta que o retorno da T-note de dez anos chegará ao pico de 3,75% até meados do próximo ano. Assim, o aumento das taxas deve manter a valorização das ações sob pressão.

“Em um cenário de desaceleração do crescimento dos lucros, isso pode significar que os preços das ações caiam ainda mais”, afirma Mathews, cuja projeção aponta para o S&P 500 em 3.750 pontos em meados de 2023. Ontem, o índice estava em 4.146,87 pontos.

Algumas casas, porém, já têm adotado cenários mais agressivos que o defendido pela consultoria britânica. É o caso da BTG Pactual Asset Management, cuja revisão de cenário publicada ontem aponta para os juros americanos em 4,5% no fim do ciclo.

“Quando a gente olha as medidas de núcleo que o Fed mais gosta de olhar, elas continuaram muito elevadas, indicando inflação próxima a 6,5%, 7%, ou seja, um nível bem acima da meta de inflação de 2%. Além disso, a taxa de desemprego caiu mais e os salários aceleraram no primeiro trimestre e, inclusive, estão no nível mais alto da série histórica”, aponta a economista Stefanie Birman. Ela nota que, foi com base nesse cenário, que o mercado começou a especular a possibilidade de aumento de 0,75 ponto nos juros em junho.

“Se a gente olhar o que os membros do Fed têm dito, esse não é o cenário mais provável. No entanto, se os dados de inflação, de atividade e de salário continuarem apontando uma aceleração forte, pode ser que o Fed tenha que reavaliar essa estratégia e, aí sim, fazer uma aceleração mais forte nas próximas reuniões”, diz Birman em vídeo sobre a revisão de cenário da gestora.

Para o diretor de investimentos da Reach Capital, Ricardo Campos, o cenário atual é o de reversão das condições de estímulos oferecidas durante a crise provocada pela pandemia. Há, ainda, problemas de oferta, com a guerra na Ucrânia e os ‘lockdowns’ na China, que agravam a situação inflacionária.

“O problema é como vai ser atravessar esse momento de transição de um ambiente de muita acomodação para um momento mais normal. Todo mundo passou a discutir nos últimos 15 dias se vamos ter um pouso suave ou não e qual será o tamanho do juro necessário para combater essa inflação toda”, afirma Campos.

Ao avaliar o mercado acionário brasileiro, porém, ele nota que o preço das algumas ações está atrativo nos níveis atuais. “Ainda há espaço para a queda naquelas apostas de que o juro ia ser zero para sempre e que a conta nunca ia chegar. Ela já chegou. Mas, uma vez que a conta esteja paga, não vejo problemas estruturais de longo prazo. Normalmente é o momento de comprar e não de vender”, diz.

Porém, setores tradicionalmente mais sensíveis aos juros mais altos, como o imobiliário e o de shoppings, também exibiram perdas expressivas. As ações ordinárias da MRV caíram 7,20%, enquanto as units do Iguatemi recuaram 6,28%.

Esse movimento se deu, portanto, no momento em que a disparada dos retornos dos Treasuries contaminou o mercado de juros local. A taxa do DI para janeiro de 2024 saltou de 12,515% para 12,905%, enquanto a do DI para janeiro de 2025 subiu de 11,97% para 12,33%.

Embora a disparada de mais de 0,3 ponto percentual nos juros futuros esteja diretamente ligada ao mercado de Treasuries, a reação à decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central também teve peso. Na medida em que a autoridade não fechou a porta para os próximos passos da Selic e deixou o cenário em aberto, o mercado colocou nos preços cenários alternativos, que passaram a contemplar alguma possibilidade de aumento da taxa além de junho.

“O movimento é natural, dada a sinalização do Copom. O mercado colocava na conta a probabilidade de subir 1 ponto ontem e parar. Era um movimento entendido com probabilidade razoável. Não é o plano agora. Ele deve continuar um pouco mais o ciclo e dar mais uma alta em junho”, afirma Maurício Bernardo, sócio e gestor de juros da Vinland Capital. Assim, na visão do profissional, “é natural que haja uma reversão nos preços na nossa curva”, em um movimento ajudado pela piora externa.

Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2022/05/06/risco-de-juros-mais-altos-leva-temor-aos-mercados.ghtml acessado em 06/05/2022.

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